Levantamento realizado pela Abicalçados aponta que, no ano corrente, os investimentos devem chegar a R$ 1,7 bilhão
Recentemente a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou um dado que acendeu a luz de alerta na indústria brasileira. Segundo a entidade, o Brasil ficou em 18º lugar entre as economias avaliadas na criação do novo ranking de competitividade. Pesaram para a posição, a última entre os países avaliados, e atrás de países como Argentina, Colômbia e Peru, o ambiente econômico desfavorável, a baixa qualidade da educação, entraves nas relações de trabalho e alto custo produtivo. Por outro lado, mesmo diante do cenário instável, tanto no mercado doméstico quanto internacional, o setor calçadista nacional seguirá investindo em 2025. Levantamento realizado pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) aponta que, no ano corrente, os investimentos devem chegar a R$ 1,7 bilhão, 7% maior do que em 2024.
O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, explica que cerca de 50% dos investimentos da indústria calçadista, em 2025, devem ser aportados em maquinário, equipamentos e tecnologia, voltados para a melhora da produtividade. “O Brasil sofreu um processo de desindustrialização acentuado na década de 1990, quando além do chamado Custo Brasil, houve uma flexibilização das importações e passamos a notar uma invasão de produtos asiáticos no mercado brasileiro”, conta o dirigente. Segundo ele, a indústria, que representava mais de 46% do Produto Interno Brasileiro (PIB) em 1989, viu sua representação cair para pouco mais de 14% no ano passado. “Não é exagero dizer que a indústria calçadista resistiu e segue resistindo em um ambiente bastante hostil, levando em consideração os altos custos de produção e a concorrência predatória imposta pelos asiáticos, agora também por meio das plataformas internacionais de e-commerce”, acrescenta Ferreira, ressaltando que os investimentos voltados para a produtividade têm sido essenciais para que a indústria calçadista nacional siga sendo a principal do Ocidente.
Andacco: investimento será 40% maior em 2025
A Andacco, do grupo Cacique, de São Sebastião do Paraíso/MG, segue investindo mesmo em um cenário econômico adverso. Com uma produção diária de mais de 5 mil pares de calçados, sendo 40% deles exportados, principalmente, para Estados Unidos, países da América do Sul e Europa, a empresa enxerga dificuldades tanto no mercado doméstico quanto internacional. “O mercado ainda não retornou ao normal depois da pandemia de Covid, em 2020. Nos últimos anos, temos um cenário inflacionário internacional preocupante e uma inadimplência crescente”, conta o diretor da empresa, Benevenuto Arantes. Segundo ele, no comparativo com 2019, a produção caiu cerca de 20%, apesar de uma pequena recuperação no ano passado.
Para 2025, mesmo diante do contexto econômico desafiador, Arantes prevê um investimento em maquinários, equipamentos e novos moldes na casa de R$ 3 milhões, 40% mais do que no ano passado. “O investimento é uma constante para a Andacco, independentemente do cenário, que neste ano ainda é bastante obscuro”, diz. Para o empresário, porém, oportunidades podem aparecer diante da guerra tarifária entre Estados Unidos e China. “Os Estados Unidos são destino de 70% dos nossos embarques. Com as altas tarifas impostos para o calçado chinês, possivelmente teremos uma maior procura, o que pode ter impacto positivo nas nossas exportações e, consequentemente, na performance para 2025”, explica. Por outro lado, Arantes demonstra preocupação com a “invasão” de calçados chineses no mercado brasileiro, já que as produtoras chinesas devem redirecionar a produção enviada para os Estados Unidos para outros mercados, entre eles o brasileiro. “Mesmo o produto chinês não competindo diretamente com o nosso tipo de calçado, no momento em que existe uma invasão de calçados baratos, o consumidor, em um ambiente recessivo, optará por usar esses produtos e não os nossos”, alerta.
Tip Toey Joey: empresa diversifica investimentos
A Tip Toey Joey, marca de calçados infantis barefoot com sede em Franca/SP, combina tecnologia industrial, práticas sustentáveis e gestão ética, reforçando sua aposta em produção própria como estratégia para manter a qualidade dos produtos, fortalecer a cultura interna e sustentar seu crescimento internacional. Atualmente, a empresa produz cerca de 400 mil pares por ano e projeta alcançar mais de 450 mil pares até 2026, impulsionada por investimentos estruturais que somam R$ 3 milhões nos últimos anos.
Segundo Scott Mclnerney, co-CEO da marca, o plano de expansão envolve três frentes principais: marca, exportação e indústria. Com mais de um terço da produção destinada a mercados como Portugal, França, Espanha, Inglaterra, Coreia do Sul, América do Sul e Austrália, a Tip Toey Joey inaugura, até o final do ano, seu primeiro centro de distribuição na Europa, com investimento de cerca de 100 mil euros (cerca de R$ 640 mil na cotação atual). O objetivo é ampliar a presença no continente com estoques locais e atendimento mais ágil. “Queremos estar mais próximos dos clientes europeus para responder rapidamente à demanda e receber feedbacks mais consistentes sobre nossos produtos”, afirma Mclnerney.
Em termos ambientais, a fábrica opera com 100% de energia solar fotovoltaica, após investimento superior a R$ 1,5 milhão. A estimativa é de economia mensal entre R$ 30 mil e R$ 40 mil em médio prazo, além da redução significativa da pegada de carbono.
Luiza Barcelos: expansão fabril e maquinário atualizado
A Luiza Barcelos, indústria de Belo Horizonte/MG que produz mais de 1,1 milhão de peças por ano, entre calçados e acessórios, investe em expansão fabril e no varejo. Recentemente, no final de 2023, a empresa inaugurou uma unidade produtiva em Campo Bom/RS, onde alocou 80% de sua produção total.
Com investimentos constantes na atualização de maquinário, a empresa mineira, apesar das adversidades, projeta um crescimento de 10% em faturamento ao longo de 2025, com a criação de novo mix de produtos e incremento das exportações. “Hoje, as exportações representam 2% do faturamento, número que queremos dobrar em 2025. Para isso, estamos intensificando a participação em feiras internacionais”, conta o diretor da empresa, Luiz Barcelos.
Entre os desafios que podem impedir as projeções mais positivas, o empresário cita um mercado muito concorrido, com margens mais apertadas e pressões sobre os preços, a falta de mão de obra, a pirataria e o fim da escala de trabalho 6x1. “Com o fim da escala de trabalho 6x1, teríamos que contratar em um ambiente onde falta mão de obra. Além disso, certamente aumentar o custo do produto no varejo”, completa. Segundo ele, o preço do calçado fabricado pela empresa pode aumentar 15% nas lojas, caso a escala atual seja revogada.
Boaonda: mais de R$ 5 milhões em ampliação do parque fabril
A Boaonda, produtora de calçados no conceito clog e injetados de Sapiranga/RS, investiu mais de R$ 2 milhões em 2024, em aportes para ampliar suas linhas de EVA e novos maquinários. No ano passado, a empresa, que produz 140 mil pares de calçados por mês, dos quais exporta cerca de 12% para países da América do Sul e Estados Unidos, teve um crescimento de 10% nas suas vendas. Para 2025, diante de um primeiro trimestre surpreendentemente positivo, com crescimento de 30% nas vendas, a Boaonda se viu obrigada a ampliar sua matriz, em uma obra que custará mais de R$ 5 milhões para atender aos pedidos do mercado doméstico e internacional. Segundo Cássio Romani, gestor da marca, o novo prédio deve estar pronto até o final do ano, empregando, de forma direta, mais de 50 pessoas. Existe a possibilidade de triplicar esse número para 150 no curto prazo, a depender da sequência do crescimento da empresa.
Para o ano, embora otimista, a empresa não acredita que o crescimento de 30% deva ser mantido, encerrando 2025 com um incremento de vendas de cerca de 15%. “O Brasil possui problemas estruturais como a alta carga tributária, a concorrência desleal inclusive dentro do nosso próprio mercado e dificuldade de encontrar mão de obra. Apesar disso, a Boaonda segue confiante e apostando no nosso país”, conclui Romani.