Sustentabilidade: uma realidade sem volta para a cadeia produtiva do calçado

Única certificação para o segmento em nível internacional, Programa Origem Sustentável cresceu 75% no último ano

Realizado pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) em parceria com a Associação Brasileira das Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) para certificar práticas alinhadas aos conceitos de ESG (Environmental, Social and Governance) na cadeia produtiva do calçado, o Origem Sustentável está em franca expansão. Única certificação para o segmento em nível internacional, o programa cresceu 75% no último ano, alcançando cerca de 100 empresas produtoras de calçados e seus fornecedores certificados ou em processo de certificação. Essas empresas, segundo levantamento da Abicalçados, respondem por 45% da produção nacional de calçados - de 848 milhões de pares no ano passado.

 

O presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, destaca que a busca pela certificação é crescente no Brasil, pois as empresas entenderam a importância não somente de assumir as práticas ESG, mas certificá-las e comunicá-las ao mercado nacional e internacional. Segundo o executivo, o setor calçadista brasileiro é um dos mais sustentáveis do mundo. Um recente levantamento realizado pela Abicalçados junto a empresas do setor aponta que 95% das respondentes já trabalham com a destinação ambientalmente correta dos seus resíduos produtivos, recolocando-os na produção, reciclando ou até mesmo os transformando em fertilizantes ou material de construção. Já as empresas que utilizam 100% da energia elétrica proveniente de fontes renováveis estão em 62%, ao passo que 74% das indústrias já produzem inventários de emissão de gases do efeito estufa com o objetivo de diminuir a emissão. 

 

Consumidores puxam o movimento

Como todo o fenômeno cultural, a sustentabilidade deve ser puxada pela sociedade. Neste contexto, consumidores do mundo inteiro estão cada vez mais preocupados com a preservação ambiental, o respeito aos direitos humanos e uma economia justa. Dados da McKinsey apontam que as estratégias de ESG podem afetar os lucros operacionais em até 60%, ao passo que mais de 80% dos consumidores mundiais se dizem mais leais a empresas que apoiam questões sociais ou ambientais. “O movimento de ESG é uma realidade internacional e está cada vez mais presente na cadeia produtiva do calçado. Empresas que não se adaptarem a esses novos tempos, certamente terão dificuldades de sobrevivência. A sustentabilidade não é um diferencial, é uma condição essencial para a competitividade”, destaca a superintendente da Assintecal, Silvana Dilly. 

 

Calçados Beira Rio: uma gigante sustentável

Uma das maiores produtoras de calçados do mundo, a Calçados Beira Rio, de Novo Hamburgo/RS, é uma das gigantes certificadas no nível máximo do Origem Sustentável, o Diamante.  Como a sustentabilidade abrange diferentes pilares, a diretora Comercial e de Marketing da empresa, Maribel Silva, lista uma série de iniciativas realizadas pela calçadista. Na área ambiental, por exemplo, se destaca o projeto de reaproveitamento dos resíduos do processo produtivo na confecção de novos itens da produção, como palmilhas, e materiais de ponto de venda. A empresa também utiliza matérias-primas de origem renovável, como, por exemplo, o PVC presente nos solados, que são produzidos com até 70% de matéria-prima de fontes renováveis. “No mix de produtos, ainda é possível identificar tecidos com fios de poliéster reciclado e com garrafas de pet pós-consumo”, acrescenta a diretora, ressaltando que a empresa também utiliza 98% de energia limpa e realiza logística reversa de suas embalagens enviadas ao mercado. 

 

Na área social, o destaque é o programa programa Empresa Acessível, que desde 2011 possui o objetivo de assegurar uma cultura organizacional que confirme o direito de acesso ao trabalho e que permita acolher e incluir pessoas com deficiência dentro dos seus processos fabris, estimulando-as a prover seus meios de vida, de forma a se sentirem inseridas no âmbito social e familiar. A empresa também apoia projetos por meio de leis de incentivo, que envolvam cultura e educação. 

 

Assim como ganhos de imagem no mercado, as iniciativas de ESG acabam por gerar economia para a Calçados Beira Rio. Maribel conta que as práticas trazem benefícios em todos os âmbitos da empresa, alcançando a todos os stakeholders e melhorando os processos, gerando produtividade e redução de custos, com foco em um melhor aproveitamento dos recursos naturais, com o menor impacto possível ao meio ambiente.

 

Segundo ela, de 2012 a 2021, a empresa transformou mais de 24 mil toneladas de resíduos, o que resultou em uma redução de 37 mil toneladas de gás de efeito estufa, além da economia de 181 milhões de litros de água. 

 

Como a sustentabilidade é uma jornada sem fim, a Calçados Beira Rio não irá parar por aí. Maribel anuncia que está em fase final de testes uma usina de pirólise desenvolvida em conjunto com a Universidade de Caxias do Sul. “Quando estiver funcionando em plena capacidade, a usina gerará 1,45 megawatts-hora (MWH), ou seja, a bioenergia produzida será 281% maior do que a empresa consome, podendo alimentar outras instalações”, adianta a diretora, ressaltando que o projeto exigiu um investimento inicial de R$ 15 milhões. 

 

Empregando diretamente 10 mil pessoas, a Calçados Beira Rio produz, em média, 500 mil pares de calçados todos os dias, dos quais exporta 15% para 97 países, principalmente da América Latina.  

 

Pampili: sustentando um futuro melhor

A criação da cultura da sustentabilidade é um compromisso social. Diante do desafio de criar bases mais conscientes, a Pampili, fabricante de calçados infantis de Birigui/SP, busca conscientizar suas pequenas consumidoras desde muito cedo. Trabalhando, desde sua fundação, com o compromisso de cuidar, desenvolver e elevar a consciência na evolução de seus stakeholders na construção de um futuro melhor e mais sustentável, a Pampili, entre seus destaques, tem o Projeto Eco Amigável. Trata-se de uma linha de produtos feitos com um percentual de material reciclado - aparas de contraforte, retalhos de solas etc. Já o PVC micro expandido usado na fabricação dos calçados é isento de metais pesados e ftalatos - substância química prejudicial à saúde humana e dos animais. 

 

No que diz respeito aos processos produtivos, a Pampili adquire energia proveniente de fontes naturais - solar, eólica, biomassa, hidrelétricas, entre outros - e trabalha o Instituto Terra do Rosa, que compreende projetos que foram construídos para atender os filhos dos colaboradores, representando a materialização do propósito institucional de transformar o mundo em lugar melhor.  

 

A CEO da empresa, Maria Mestriner Colli, destaca a importância do reconhecimento de ações de sustentabilidade da Pampili. “Todas as ações dentro da Pampili são pensadas para promover a sustentabilidade, tanto ambiental quanto social, e ter essas práticas certificadas nos traz vantagens até mesmo competitivas”, avalia. Segundo Maria, agora o desafio da empresa é a conquista do nível máximo do Origem Sustentável, o Diamante - hoje a empresa é Ouro. “Estamos trabalhando com foco em consolidar nossa Política de Sustentabilidade para toda a Nação Pampili - empresa e seus stakeholders. Também realizaremos reuniões mensais com o nosso Comitê de Sustentabilidade para apresentação e gestão dos resultados referentes aos compromissos assumidos e a capacitação dos colaboradores para a sustentabilidade".

 

A empresa emprega mais de 1,8 mil colaboradores, que produzem, diariamente, 13,5 mil pares de calçados e mil bolsas, dos quais exportam cerca de 10% para mais de 40 países, com destaque para Ásia, Europa e América Latina. 

 

Grupo Ramarim: redução de custos

O Grupo Ramarim, fabricante de calçados femininos de Nova Hartz/RS certificado no nível Diamante do Origem Sustentável, enxerga na sustentabilidade uma forma de cuidar do planeta e também dos cofres da empresa. Reportando uma economia de mais de R$ 20 milhões desde quando passou a adotar iniciativas como a reciclagem ou reaproveitamento de 100% dos resíduos do processo produtivo, retornando-os à produção como novos componentes para calçados (palmilhas, contrafortes, couraças, saltos e solados), a empresa utiliza fontes de energia 100% renováveís e ainda gerencia a redução de emissão de gases do efeito estufa e compostos orgânicos voláteis. 

 

Ainda no pilar ambiental, o Grupo Ramarim desenvolveu o Programa de Educação Ambiental, com o intuito de conscientizar e sensibilizar seus colaboradores quanto aos aspectos relativos ao meio ambiente. O desenvolvimento do PEA tem como premissa sensibilizar os colaboradores quanto às questões de preservação e conservação da natureza, contribuindo para uma melhoria no nível de conscientização e de atuação desses indivíduos com relação ao seu ambiente de trabalho e seu processo produtivo.

 

O diretor de Inovação e Tecnologia da empresa, Rodrigo de Oliveira, conta que a Ramarim desenvolve projetos de cunho ambiental junto a seus fornecedores e parceiros, visando a sustentabilidade do negócio, promovendo a reutilização de resíduos no processo produtivo.”Entre os compromissos do Grupo com o meio ambiente está o de compensar 100% das emissões de CO2 até 2024 e utilizar 100% da captação da água da chuva no ambiente interno”, projeta Oliveira. 

 

No pilar social, a empresa disponibilizou treinamento para o desenvolvimento de gestores e líderes de seus diversos setores organizacionais. O Grupo também disponibiliza ajuda de custo para a formação nos níveis técnico e superior na área do calçado por meio de uma parceria com o SENAI. 

 

Uma das principais fabricantes brasileiras de calçados femininos, a empresa tem uma produção de mais de 50 mil pares de calçados diários e emprega, diretamente, mais de 7 mil colaboradores. 

 

Calçados Pegada: mudança cultural

A fabricante de calçados masculinos e femininos Calçados Pegada, de Dois Irmãos/RS, é outra empresa engajada no Origem Sustentável. Certificada no nível Diamante, a fabricante vem transformando não somente a cultura corporativa, mas também dos seus stakeholders. O gerente administrativo da empresa, Gabriel Ranft, conta que a certificação deu vida e nova identidade para a forma como a Pegada e os seus colaboradores compreendem o tema sustentabilidade, abrindo os horizontes culturais. “As principais ações e benefícios foram a criação do núcleo de trabalho multidisciplinar, sendo o principal benefício para a organização o uso do Framework do Origem Sustentável para a organização e formalização dos assuntos que andavam soltos pela companhia”, conta o gerente.

 

Entre os destaques que levaram a Pegada a conquistar a certificação estão a criação de um Núcleo de Sustentabilidade, a confecção do primeiro inventário de Efeito Estufa, que monitora as emissões de gases da atividade produtiva, as doações para os atingidos por enchentes na Bahia, para hospitais, escolas e entidades beneficentes, como Apae, Lar da Criança com Câncer, entre outros. Na área social, mais especificamente dentro das unidades, a empresa mantém 82% do seu quadro de gerência preenchido por mulheres e fomenta a economia local comprando de fornecedores de regiões onde atua, entre outras questões.

 

Conforme o Relatório de Sustentabilidade da empresa, hoje 22% das embalagens que saem da Pegada são compensadas em um processo de logística reversa. “Mas queremos ampliar esse número nos próximos anos”, projeta Ranft. A empresa também reduziu, e vem reduzindo, o uso de energia elétrica por meio da maior conscientização dos colaboradores e vem dando preferência ao uso de fontes renováveis (eólica, solar, biomassa etc), adquiridas no chamado Mercado Livre. A redução do uso de combustíveis fósseis também é uma realidade na empresa, que reduziu sua a utilização em quase 35%. No que diz respeito ao produto, a calçadista reporta a reciclagem e reaproveitamento de resíduos termoplásticos pela moagem de solados, EVA e PU sobras do processo produtivo, recolocando o material de volta na produção e diminuindo o resíduo gerado.

 

A Calçados Pegada emprega, diretamente, mais de 4,2 mil colaboradores e produz cerca de 6 milhões de pares por ano. A exportação gira em torno de 12% a 14% ao ano, sendo os principais mercados o da América Latina e Europa, com bastante representatividade também no Oriente Médio e constante crescimento na América do Norte.

 

Calçados Ala: jornada pela sustentabilidade

Bastante democrático, o programa Origem Sustentável acolhe empresas que estão em fases diferentes com relação à sustentabilidade no processo produtivo. Afinal, a sustentabilidade tem um início, mas não tem um final. É uma jornada contínua, na qual o principal passo é o primeiro. Uma das empresas que vem incrementando suas iniciativas sustentáveis é a Calçados Ala, de São João Batista/SC. Certificada no nível Prata, a empresa catarinense recicla todo o papelão utilizado na produção e aboliu o uso de copos plásticos no ambiente fabril.

 

Em cinco anos, segundo o diretor da empresa, Jonatha dos Santos, foram poupados mais de 6 milhões de copos plásticos. Já a reciclagem de papelão chega a mais de 25 toneladas por ano.  Em termos de produtos, a calçadista lançou, em julho de 2020, a coleção Zatz Eco, produzida com cabedal 100% em knit desenvolvido com garrafas pet. São oito garrafas pet por par, garrafas que seriam descartadas. O calçado tem também solado de PVC expandido produzido com palha de arroz, que concede ainda mais apelo de sustentabilidade ao produto. “Para as próximas coleções, a meta é produzir ainda mais linhas com apelo sustentável. Vejo, principalmente, o mercado internacional, que absorve 30% da nossa produção, mais preocupado com sustentabilidade. A adoção de produtos e produção mais sustentáveis é um foco constante da Ala”, conclui Santos. 

 

 

Sobre o Origem Sustentável

O Origem Sustentável é a única certificação de ESG e sustentabilidade no mundo voltada para as empresas da cadeia calçadista. Baseado nas melhores práticas internacionais de sustentabilidade, segue a diretriz de 104 indicadores distribuídos em cinco dimensões: econômica, ambiental, social, cultural e gestão da sustentabilidade. As categorias são Diamante (+80% dos indicadores alcançados), Ouro (+60%), Prata (+40%) e Bronze (+20%). As auditorias são realizadas por órgãos independentes como SENAI, SGS, ABNT, Intertek, Bureau Veritas e DNV.